Falar sobre investimentos na Argentina é sempre um desafio. Quem olha para o país com uma vocação de longo prazo geralmente encontra dois cenários paralelos: de um lado, recursos, talentos e setores com enorme potencial; de outro, uma realidade regulatória, tributária e cambial que desestimula ou impede diretamente o planejamento em escala.
Nesse contexto, o Regime de Incentivo a Grandes Investimentos (RIGI), recentemente regulamentado pelo Decreto 749/2024, aparece como uma ferramenta que - por sua concepção - busca romper com essa lógica. Diferentemente de outros regimes promocionais mais limitados ou imprecisos que a Argentina teve no passado, o RIGI tem uma vocação estrutural diferente: setores definidos, benefícios concretos, uma autoridade de aplicação designada e procedimentos ativos, e representa um passo institucional sério, destinado a atrair projetos de grande escala, tanto locais quanto internacionais.
Esse regime é destinado a empresas que planejam investimentos iguais ou superiores a US$ 200 milhões, em setores estratégicos como Infraestrutura: logística, transporte, serviços públicos, saúde, educação, telecomunicações, defesa; Imóveis com vocação estrutural: turismo, projetos urbanos ou de logística integrada; Energia e petróleo/gás: geração, armazenamento, transporte, usinas de GNL, refinarias; Mineração: lítio, cobre, ouro, entre outros, da prospecção à exportação; Tecnologia: de IA e software à mobilidade sustentável, satélites ou indústria nuclear; Indústria florestal, ferro e aço, turismo: com foco em exportações e sustentabilidade.
Para obter acesso, é necessário criar um Veículo Único de Projeto (VPU), uma entidade legal que canalizará exclusivamente esse investimento. A partir daí, o projeto se candidata por meio de determinados procedimentos específicos para passar por uma avaliação técnica, com prazos certos e determinados.
Em termos práticos e resumidos, o RIGI oferece uma poderosa combinação de incentivos fiscais, alfandegários e cambiais, incluindo
- Redução do imposto de renda em 25% para a VPU
- Depreciação acelerada de bens de capital.
- Isenção de impostos de importação para insumos e equipamentos.
- Disponibilidade gratuita de moeda estrangeira exportada, progressivamente até 100%.
- Regime de arbitragem internacional para resolver disputas.
- Estabilidade regulatória e tributária por 30 anos, mesmo diante de mudanças provinciais (se a província aderir ao regime, como já fizeram Rio Negro, Salta, San Juan, Córdoba, entre outras).
A lógica é clara: facilitar o investimento intensivo, com impacto econômico concreto, em um país que precisa de capital, emprego e infraestrutura.
Mas o RIGI não pode ser analisado em um vácuo. É preciso contextualizá-lo e analisar as barreiras estruturais à realização de negócios ainda existentes no país: alta carga tributária efetiva, pressão regulatória multijurisdicional, restrições cambiais, burocracia excessiva para iniciar ou ampliar projetos e insegurança jurídica, entre outros aspectos, que, mesmo no início de 2025, estavam retendo a Argentina na classificação dos fundos internacionais em suas "listas de observação", não por falta de oportunidades, mas por falta de condições básicas para executar e proteger o investimento.
É verdade que as recentes modificações no regime cambial permitiram dar mais um passo nesse caminho de previsão e segurança jurídica para os investidores, já que as limitações para transferir capital para o exterior têm sido um dos principais obstáculos e uma constante nos relatórios de clima de negócios e nas classificações internacionais de competitividade.
De fato, após um período de controles cambiais mais rígidos (2019-2023), em que as regulamentações eram orientadas para controles de capital rigorosos com a obrigação de repatriar e liquidar divisas para exportações no mercado oficial (MULC), limitando a capacidade de manter fundos no exterior, e restrições ao pagamento de dividendos a não residentes, que na prática funcionavam como uma proibição, A partir de 2024, iniciou-se um notório período de abertura e flexibilização, primeiro por meio da unificação do sistema cambial e, depois, pela desregulamentação dos pagamentos ao exterior, incluindo a possibilidade de transferências de lucros para o exterior, desde que provenientes de lucros contábeis efetivos, especialmente para aqueles gerados a partir de 1º/01/2025.
Nesse contexto, embora o RIGI não seja a solução para todos os problemas, ele concretiza uma vocação para estabelecer uma política de investimento previsível, complementada por uma série de desregulamentações nas atividades e, em particular, no fluxo de fundos no exterior.
No entanto, o RIGI oferece uma oportunidade única, um desvio legal e fiscal para empresas que estão em posição de investir em grande escala e precisam de previsibilidade contratual e tributária.
A chave, nesses casos, está na estruturação. A adesão ao regime exige mais do que o simples cumprimento de um formulário: exige a articulação adequada do projeto de investimento, a definição de sua estrutura jurídica, financeira e tributária, a previsão de licenças e autorizações, o cálculo correto do plano de investimento, a demonstração de um impacto não prejudicial no mercado local e a incorporação de um plano de fornecedores argentinos que atenda aos padrões do regime.
Do ponto de vista da prática profissional, esse processo requer acompanhamento estratégico, com forte foco jurídico e fiscal, e a partir de uma lógica mais ampla: viabilidade operacional, compatibilidade regulatória, estrutura jurídica e desenho financeiro alinhados com objetivos de longo prazo.
Os setores que podem se beneficiar do esquema incluem infraestrutura, imóveis com uma âncora de logística ou turismo, energia renovável, mineração e tecnologia aplicada a processos industriais. Até mesmo empreendimentos imobiliários ou parques industriais que excedam US$ 200 milhões, se forem bem estruturados e atenderem aos critérios do RIGI, poderão ser elegíveis. É importante entender que esse regime não é para todos, mas pode ser um divisor de águas para aqueles que já estão pensando em projetos integrados de escala, com projeção regional ou internacional.
A Argentina não se tornou um país fácil de investir de um dia para o outro, mas está caminhando rapidamente para uma maior agilidade e transparência, o que representa uma grande oportunidade em um mercado com expectativas e necessidades de crescimento. Essas oportunidades podem ser aproveitadas se os projetos forem executados com a previsão adequada, não apenas do ponto de vista técnico, mas também com a experiência necessária na área.
Se bem executada, ela pode fazer a diferença.